Mais perto de Lisboa do que do Rio de Janeiro
Foi
depois do Imperador, embaixo de uma noite de garrafadas,
Ser
obrigado a abdicar o trono em nome de seu filho de cinco anos de idade,
Que
dormia quando o pai sem se despedir,
Voltou
a Europa para morrer nos braços de seus patrícios
Que
o país se viu entre duas forças:
Os
desejosos da centralização do poder
E
os sonhadores que queriam mais liberdade para as províncias.
Nos
rincões da Amazônia os povos do Grão Pará
Viam-se
abandonados, entregues a fome, a pobreza e às doenças.
Os
governantes eram escolhidos à revelia dos governados.
A
região era assolada pela miséria, desinteresse e relegada à irrelevância
política.
Em
pleno Brasil independente, a coroa portuguesa
Tinha
mais influência naquelas terras do que o império brasileiro.
Uma
chuva ao contrário, ou a primeira vitória de um povo unido
Ressentidos,
fartos da fome, do descaso,
E
sonhando com dias melhores,
Índios,
ribeirinhos e escravos,
Fizeram
chover para cima, e numa utopia patriota
Se
uniram aos ricos do lugar e se revoltaram contra o governo regencial.
Tiraram
do poder o governador e escolheram seu primeiro presidente,
Malcher,
senhor de engenho, herdeiro de sesmarias, e militar.
Mas
o governo de Malcher não tinha como dar certo.
O
caudilho Monte alegrense, tinha os arreios do tronco liberal o qual pertencia, Gabava-se
de pensar que tudo faria para o
povo, nada, porém, pelo povo.
Sua ingovernabilidade o fez reprimir os
revoltosos e prender Eduardo Angelim,
O líder lavrador do movimento.
Foi então que o fogo na relva ressequida
começou a arder.
Francisco,
o Vinagre que mais parecia aguardar ordens imperiais,
Assume
o poder após sangrenta batalha e morte de Malcher,
Que
foi assassinado a bordo de uma canoa.
Ele
tentou negociar com o governo imperial uma rendição.
Dali
todos sairiam anistiados,
E
pediu melhorias nas condições de vida para o povo carente.
Ele
já havia esquecido o massacre do brigue palhaço,
Onde
duzentos e cinquenta e dois prisioneiros
Morreram
de uma morte longa e agonizante.
O
comandante do navio até argumentou que não tinha culpa do ocorrido,
Pois
não foi sob suas ordens que os prisioneiros foram aniquilados.
Mas
o povo não esqueceu.
Era
desse trato que o povo se lembrava do governo imperial
Traiçoeiros
e impiedosos.
E
como previu o povo, Francisco foi traído e preso.
Antônio,
seu irmão, liderou as forças rebeldes
E
retomaram o poder pela segunda vez.
Como
Antônio morreu em baralha, desta vez, Eduardo Angelim,
O
homem que emprestou seu sobrenome de uma madeira forte da floresta,
Assumiu
como o terceiro presidente do movimento.
Um
governo sem cabeça, todos querem mais mandar do que obedecer ou o quase-poder
Com
a retomada de Belém pela segunda vez,
Todos
queriam cargos
Havia
assim toda a sorte de Embaixadores, ajudantes de embaixadores,
Nesses
dias houve um quase-governo
Essa
desorganização foi aliada do governo imperial
Que
logo viu a chance de retomar a região.
A
regência contra ataca (o Barão de Caçapava e o massacre)
Com
a missão de engaiolar a liberdade,
O
Regente Feijó, que se questionava, pesando:
O
Rio de Janeiro poderia viver sem o Grão Pará,
Mas
o Grão Pará viveria sem o Rio de Janeiro?
E
assim, envia o Fidalgo português, Francisco José Andréa,
Um
brigadeiro que junto a mercenários estrangeiros e soldados imperiais
Chegaram
à frente de Belém com as bocas de seus canhões fumegantes de raiva,
Dispostos
a pôr abaixo toda a revolução.
A
revolta enfim é sufocada.
Foram
dizimadas as populações ribeirinhas, os quilombolas, indígenas, e a elite
local. Uma carnificina que matou trinta por cento da população provinciana.
Índios
Tapuias, Maruás, e Mauês praticamente sumiram.
Andréa
pensava que o melhor para a Província era não haver soldados filhos do Norte,
Tinham
de ser substituídos todos por sulistas,
Principalmente
os pretos e índios,
Aos
quais atribuía um pacto de destruição de tudo que existisse e fosse branco.
As
mulheres e crianças que sobreviveram ao massacre devem ter pensado:
Será
que eu um dia esses homens sentirão vergonha de serem homens?
A
batalha perdida
A
revolta amazônica que tinha influencia da Revolução Francesa,
Que
uniu índios, mestiços, escravos, pobres e ricos
Foi
dizimada por quatro navios de guerra,
Pela
desordem social,
Pela
fome e pela varíola.
Seus
líderes foram caçados como cães,
E
em canoas, o movimento desceu a rede de rios e igarapés
E
se espalhou cumprindo a efígie do fogo se espalhando sobre a relva.
Angelim
foi preso, lavado ao Rio de Janeiro,
Julgado
e exilado em Fernando de Noronha.
Voltou
para morrer duas vezes em sua terra,
Uma
por abandonar a política para sempre, outra de velhice.
Está
enterrado num tumulo sem nome na ilha de Trambioca.
A
reinvenção da história, ou a fabricação da Cabanagem
Muitos
anos se passaram,
Já
não existem mais regências, províncias,
Nem
mesmo o Grão Pará faz mais parte de nossos dias.
Mas
o lema dos Cabanos, que somente nos dias de hoje tem esse nome,
Mostrou
que somente o povo
Pode
resgatar a coragem de poder trilhar o seu próprio curso,
Que
é necessário reler as ordens vindas elas de onde vier.
A
cabanagem deixou pra nós uma Amazônia cabocla que conversa com o mundo.
Os
revolucionários que desceram os rios criaram vilas
Onde
viveram em comunidade: negros, índios e mestiços,
Os
que ficaram nas cidades tornaram-se os trabalhadores de hoje.
Sua
luta foi usada no passar dos tempos
Cada
vez que houve uma crise política e econômica no estado.
Ainda
de pé o palácio do governo foi testemunha de Ajuricabas e Anagaíbas
Mas
ainda continuamos invisíveis como nos tempos do Imperador,
Obedecendo
ordens sem ler,
Sendo
modificados de fora para dentro.
Hoje
lembramos que onde estamos
Os
homens realmente são pobres, mas a terra, a terra ainda é rica.