sábado, 21 de agosto de 2021

Cabanos

 Mais perto de Lisboa do que do Rio de Janeiro

 

Foi depois do Imperador, embaixo de uma noite de garrafadas,

Ser obrigado a abdicar o trono em nome de seu filho de cinco anos de idade,

Que dormia quando o pai sem se despedir,

Voltou a Europa para morrer nos braços de seus patrícios

Que o país se viu entre duas forças:

Os desejosos da centralização do poder

E os sonhadores que queriam mais liberdade para as províncias.

 

Nos rincões da Amazônia os povos do Grão Pará

Viam-se abandonados, entregues a fome, a pobreza e às doenças.

Os governantes eram escolhidos à revelia dos governados.

A região era assolada pela miséria, desinteresse e relegada à irrelevância política.

Em pleno Brasil independente, a coroa portuguesa

Tinha mais influência naquelas terras do que o império brasileiro.

 

Uma chuva ao contrário, ou a primeira vitória de um povo unido

 

Ressentidos, fartos da fome, do descaso,

E sonhando com dias melhores,

Índios, ribeirinhos e escravos,

Fizeram chover para cima, e numa utopia patriota

Se uniram aos ricos do lugar e se revoltaram contra o governo regencial.

Tiraram do poder o governador e escolheram seu primeiro presidente,

Malcher, senhor de engenho, herdeiro de sesmarias, e militar.

Mas o governo de Malcher não tinha como dar certo.

O caudilho Monte alegrense, tinha os arreios do tronco liberal o qual pertencia, Gabava-se de pensar que tudo faria para o povo, nada, porém, pelo povo.

Sua ingovernabilidade o fez reprimir os revoltosos e prender Eduardo Angelim,

O líder lavrador do movimento.

Foi então que o fogo na relva ressequida começou a arder.

 

 Irmãos Vinagre, a segunda batalha

 

Francisco, o Vinagre que mais parecia aguardar ordens imperiais,

Assume o poder após sangrenta batalha e morte de Malcher,

Que foi assassinado a bordo de uma canoa.

Ele tentou negociar com o governo imperial uma rendição.

Dali todos sairiam anistiados,

E pediu melhorias nas condições de vida para o povo carente.

Ele já havia esquecido o massacre do brigue palhaço,

Onde duzentos e cinquenta e dois prisioneiros

Morreram de uma morte longa e agonizante.

O comandante do navio até argumentou que não tinha culpa do ocorrido,

Pois não foi sob suas ordens que os prisioneiros foram aniquilados.

Mas o povo não esqueceu.

Era desse trato que o povo se lembrava do governo imperial

Traiçoeiros e impiedosos.

E como previu o povo, Francisco foi traído e preso.

Antônio, seu irmão, liderou as forças rebeldes

E retomaram o poder pela segunda vez.

Como Antônio morreu em baralha, desta vez, Eduardo Angelim,

O homem que emprestou seu sobrenome de uma madeira forte da floresta,

Assumiu como o terceiro presidente do movimento. 

 

Um governo sem cabeça, todos querem mais mandar do que obedecer ou o quase-poder

 

Com a retomada de Belém pela segunda vez,

Todos queriam cargos

Havia assim toda a sorte de Embaixadores, ajudantes de embaixadores,

Nesses dias houve um quase-governo

Essa desorganização foi aliada do governo imperial

Que logo viu a chance de retomar a região.

 

A regência contra ataca (o Barão de Caçapava e o massacre)

 

Com a missão de engaiolar a liberdade,

O Regente Feijó, que se questionava, pesando:

O Rio de Janeiro poderia viver sem o Grão Pará,

Mas o Grão Pará viveria sem o Rio de Janeiro? 

E assim, envia o Fidalgo português, Francisco José Andréa,

Um brigadeiro que junto a mercenários estrangeiros e soldados imperiais

Chegaram à frente de Belém com as bocas de seus canhões fumegantes de raiva,

Dispostos a pôr abaixo toda a revolução.

A revolta enfim é sufocada.

Foram dizimadas as populações ribeirinhas, os quilombolas, indígenas, e a elite local. Uma carnificina que matou trinta por cento da população provinciana.

Índios Tapuias, Maruás, e Mauês praticamente sumiram.

Andréa pensava que o melhor para a Província era não haver soldados filhos do Norte,

Tinham de ser substituídos todos por sulistas,

Principalmente os pretos e índios,

Aos quais atribuía um pacto de destruição de tudo que existisse e fosse branco.

As mulheres e crianças que sobreviveram ao massacre devem ter pensado:

Será que eu um dia esses homens sentirão vergonha de serem homens?

 

A batalha perdida

 

A revolta amazônica que tinha influencia da Revolução Francesa,

Que uniu índios, mestiços, escravos, pobres e ricos

Foi dizimada por quatro navios de guerra,

Pela desordem social,

Pela fome e pela varíola.

Seus líderes foram caçados como cães,

E em canoas, o movimento desceu a rede de rios e igarapés

E se espalhou cumprindo a efígie do fogo se espalhando sobre a relva.

Angelim foi preso, lavado ao Rio de Janeiro,

Julgado e exilado em Fernando de Noronha.

Voltou para morrer duas vezes em sua terra,

Uma por abandonar a política para sempre, outra de velhice.

Está enterrado num tumulo sem nome na ilha de Trambioca.

 

A reinvenção da história, ou a fabricação da Cabanagem

 

Muitos anos se passaram,

Já não existem mais regências, províncias,

Nem mesmo o Grão Pará faz mais parte de nossos dias.

Mas o lema dos Cabanos, que somente nos dias de hoje tem esse nome,

Mostrou que somente o povo

Pode resgatar a coragem de poder trilhar o seu próprio curso,

Que é necessário reler as ordens vindas elas de onde vier.

A cabanagem deixou pra nós uma Amazônia cabocla que conversa com o mundo.

Os revolucionários que desceram os rios criaram vilas

Onde viveram em comunidade: negros, índios e mestiços,

Os que ficaram nas cidades tornaram-se os trabalhadores de hoje.

Sua luta foi usada no passar dos tempos

Cada vez que houve uma crise política e econômica no estado.    

Ainda de pé o palácio do governo foi testemunha de Ajuricabas e Anagaíbas

Mas ainda continuamos invisíveis como nos tempos do Imperador,

Obedecendo ordens sem ler,

Sendo modificados de fora para dentro.

Hoje lembramos que onde estamos

Os homens realmente são pobres, mas a terra, a terra ainda é rica.

sábado, 24 de abril de 2021

Despedida de amigos

Não sei dar adeus quando um amigo vai embora

No máximo deixo escapulir um até logo

A despedida é como um sol de antiácido borbulhando no mar

É calmaria se tornado tempestade num copo de gim

Me fazendo agora arrancar versos da pedra desta saudade

Nesses tempos de tantas idas.

O adeus converte tudo no seu contrário,

A proximidade em distância,

O doce no salgado,

O sorriso em lágrima,

O afago na ferida,

A voz em silêncio emudecido,

O aperto de mão no aceno de longe.

Os amigos deveriam se despedir como naquelas séries que anunciam o Próximo capitulo... Continuação...

Mas se eles têm que ir um dia

Que o reencontro seja mais que uma promessa

Que haja abraço quando a solidão nos rodear

Que a tua casa possa ser a minha casa

Que sempre se abra uma janela quando uma porta se fechar

Que exista o caminho, a estrada, mas que haja o céu, a asa

Que venham as lágrimas nos olhos, mas que o sorriso possa sempre triunfar.

Que o tempo, esse deus da mudança,

Mais nos deixe longe da deslembrança,

Que mais nos dê de presente o sim ao invés de negar,

Que mais nos faça florir,

Que mais nos faça regar,

E se a morte, eterna mentirosa, um dia tiver que te levar,

Que eu chore por um algum tempo,

Mas que saiba em meu peito que um dia vamos nos reencontrar...

 

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Dia a Dia

Eu faço poesia como quem toma café da manhã,

Como quem folheia o jornal na mesa antes de sair pro trabalho.

Eu faço poesia como quem caminha junto aos senhores de meia idade pra manter a forma, como quem passeia com seus cachorros no parque,

Como anda de bicicleta, aquela moça de cabelos amarrados, na ciclovia,

Como quem troca uma lâmpada queimada, ou fecha a tampa do arroz pra ele cozinhar, ou troca um pneu furado do carro, ou como quem passa mertiolate numa ferida.

Eu faço poesia como quem mede a pressão, como quem delira de febre,

Como quem arranca a folha do dia passado do calendário,

Como quem perde o sono depois da meia noite,

Como quem afina a corda mi do violão,

Como quem anda taciturno nas ruas de madrugada,

Como quem organiza as roupas por cor no guarda roupa desarrumado.

Eu faço poesia como quem espera a sexta feira para tomar uma cerveja no bar do parque,

Como quem recicla o lixo e faz compostagem.

A poesia é o alimento, é o feijão com arroz, o pão com ovo,

A poesia é o cotidiano, é o cisco no olho em dia de faxina.

A poesia é o choro de índio expulso de suas terras, é o sorriso da mãe reencontrando o filho perdido, o grito de dor ao se quebrar um osso, o desalento de esperar a condução lotada em dia de chuva.  

A poesia é o cimento do concreto, é a fome que não sacia,

A poesia é o espelho do banheiro,

A poesia é a alquimia do verbo.

E eu escrevo como quem sobe no ombro de gigantes mortos

A poesia é o verbo da alquimia.

O que mais pode ser um grito sem voz, senão a poesia? Uma floresta sem árvores? Que droga pode mais alucinar que ela?

Onde mais podemos ver um navio negreiro, um anjo torto, as estradas pedregosas de Minas palmilhadas vagamente, a Pasárgada de telefones automáticos, alcalóides à vontade, e prostitutas bonitas para namorar?

Onde podemos mais sujar as mãos que num poema sujo?

Em quais linhas que não as de um soneto, podemos descobrir que o amor é uma chama infinita enquanto durar?

Em qual paisagem um rio pode nos lembrar a língua mansa de um cão, amolecendo nossos ossos como amoleceu as pedras?

E se estivéssemos num exílio, qual canto nos faria relembrar de nossas palmeiras se não o canto do sabiá?

É por isso que faço poesia como quem troveja trovas nas trevas

Como quem vocifera verborragias contra a vilania

Como quem simplesmente vive o dia a dia.

quarta-feira, 24 de março de 2021

Herança

Herdei o amor pelo açaí de meus antepassados, os Tupinambás,

As mesmas feições orientais carregadas por eles desde tempos imemoriais,

A desconfiança, a hospitalidade e a não agressividade no primeiro contato.

Me sinto até mesmo aguerrido como eles em seus etéreos levantes.

Quando jovem e com os cabelos longos, tinha vários apelidos, um deles era “Cabelo de velha”, o mesmo que os portugueses deram ao Tuxaua Guaimiaba – que foi assassinado próximo ao Forte do Castelo.

Os tupinambás eram cultivadores, o que os permitia se fixar num lugar. Cultivavam o milho do qual os deuses fizeram as mães e os pais,

O tabaco que usavam para conversar com Deus,

A mandioca, que nasceu da morte do menino Mani, filho da filha imaculada do cacique,

O feijão, o algodão e a abóbora.

Herdei deles a habilidade da construção das malocas, a paixão pelo banho de igarapé, a tradição oral das lendas, o medo dos raios e trovões e o respeito pelo vento sudeste que trazia vendavais, trombas d´água e que levantava as tangas das mulheres.

Eu me junto aos meus amigos em longas conversas na noite tal qual eles faziam em volta das fogueiras

Eu danço arrastando os pés na capoeira do mesmo jeito que eles dançavam no centro das tabas, ao som do mesmo tambor de couro, do mesmo curimbó

Desta terra que se chamou Mairi antes mesmo dos portugueses fundarem a Belém naquele distante janeiro, trago a parte de mim que me arde, que me queima, o sol é impiedoso, como o meu outro gene, o sangue português:

 

Do meu sangue lusitano ficou a ganância, a ira, a descompostura, o vício pelo vinho e a tristeza do lirismo,

Todas as cantigas de roda da infância, as volúpias carnavalescas e as danças das quadras juninas,

O inesgotável furor católico, a pele roída pelo sol equatorial e essa língua cantada na qual vos falo, apesar dos gerúndios e diminutivos que eles não usavam

O português cruzou o oceano em três pequenas caravelas, toda vez que viajo de barco, lá vem de novo o sangue português me dizer: vai, navegar é preciso

Tenho uma boa dose de pirata, salteador, corsário. A pilhagem vem do meu profundo

Do construtor de igrejas, palacetes e fortes, guardei o labor do compasso, a precisão do sextante, e os cálculos de engenharia

Dos lusitanos recebi esse vazio no peito qual os seus palácios de Setúbal e Loures 

E foi pelas mãos do enganador, do escravocrata, avaro e torturador europeu, que pude obter minha terceira parte: a negra e africana

Sou negro sim

Trago na pele de meus irmãos e de minha mãe esse traço afro, atro, astro

Eu pertenço a esta raça que cantava sob açoites, que se erguia dos pelourinhos marcados pelas mãos que seguravam o chicote e a bíblia ao mesmo tempo 

Eu também sei rezar ao som de atabaques e tantans, é por isso que aprendi o sincretismo, pra enganar o poder dos sacerdotes

Só não me acostumo aos ônibus e metrôs lotados, herança nefasta dos navios negreiros que trouxe reis e rainhas em grilhões pelo oceano atlântico

Eu tenho em mim a vontade de fugir, de escapar da loucura que nos mantém reféns da miséria, mas onde existiriam ainda quilombos hoje em dia?

É deles esse molejo nos quadris quando tocam o samba, o revira, o entrudo e o lundu

Foi nos tachos de ferro da senzala que cozinharam e nos deixaram a magia do dendê, das pimentas, os doces de tabuleiro, o acarajé, o vatapá, o angu, o mingau, a canjica, a pamonha, e finalmente, a feijoada, nossa digital no mundo das comidas.

Desse sangue forte que atravessou acorrentado a aragem marinha que queima até hoje nossas narinas, dos ventos perdidos que não sopraram nem mesmo com a ilusória liberdade, foi que aprendi a remar contra a maré, a mastigar o que houvesse para subsistir, a beber água ardente, e, sobretudo, a não baixar a cabeça nunca, igual fizeram esses meus antepassados de negra epiderme.

Foi dessa união de raças que meus membros viraram aço, meu sangue chumbo derretido, meus olhos faróis castanhos acesos, e meu amor, mestiço como todo brasileiro.

domingo, 14 de março de 2021

Ambição

Por favor, me entendam não sou poeta

Não tenho nem mesmo a obrigação de escrever-lhes

É até uma ironia que agora eu troque algumas lágrimas, uns poucos sorrisos, e até mesmo o silêncio das noites mal dormidas por estas palavras

Quase nenhum desses sentimentos que correm sangris do peito tem um oceano pra desaguar

Tornar dizíveis a maior parte deles é como pisar em solo marciano

Mesmo assim quis a teimosia da solidão entre quatro paredes que eu viesse aqui e te dizer:

Que foi subvertendo a paz de espírito dessa solidão a que vim falar-lhes

Vocês, negros acorrentados nos becos e vielas das favelas de meu país, que mesmo sob a mira dos fuzis não deixam de lutar, que continuam o caminho mesmo no ônibus e vans lotados, que decoram o refrão da canção mesmo sem poder ouvir as rádios, que desafiam as adversidades e entram nas universidades pela porta da frente, que mesmo com os ataques e preconceitos mantém sua fé no divino de seus antepassados, e que acima de tudo ainda conseguem cerrar o punho contra o racismo...

Aqueles que, inquietos e imparciais, não se calam ante a infâmia dos perversos, que somente desejam extirpar as liberdades, usurpar o bom senso comum, aniquilar os adversários como se esses fossem inimigos de uma guerra impiedosa, e impor a sua mediocridade a todos através da ignorância...

Aos cachorros e gatos abandonados que contam somente com a sorte pra uma sobrevida, que sentem a mesma dor e fome que nós, mas que não podem falar, que sabem o que é viver um dia de cada vez, correndo o risco das ruas e que dependem da misericórdia de tratadores e daqueles que lhes dão às vezes a única refeição do dia, e que por fim, honestamente, só queriam um pouquinho do amor que deram incondicionalmente...

A eles, os inconformados à dor alheia, que sabem se colocar no lugar do outro, que não vivem num mundo só deles, que não negaram a ciência, o mundo, as queimadas de nossas florestas, que não puderam assistir o descaso com a saúde, cultura e educação, que defenderam o SUS, que não aceitaram se expor e expor os seus entes queridos, e que jamais trocariam o que nos faz humanos por uma coleira de ouro...

Aos Índios, meus antepassados, logrados de suas terras e costumes, abandonados no chão demarcado que lhes sobrou como esmola, assassinados pelo ouro, pelo Pau Brasil, enfermos pelo mercúrio, pelas doenças trazidas pelos missionários, que nunca puderam chamar este país de seu, relegados das políticas nacionais, rebaixados a produtores de artesanato, mas que ainda guardam dentro de si a força da voz do trovão de Nhanderuvuçu...

A vocês meu amigos, loucos, bêbados, homossexuais, desmedidos na paixão, marginais pedindo carona, a vocês que choram, que se levantam dos sofás, que ferem um coração, que mostram sua cara mesmo de máscara, que caminham pelo planeta sem Deus, que reviram as latas de lixo, que não se importam com a vitória do time de futebol, que fumam o dia nas esquinas, que enfrentam o dragão famigerado da inflação, que não se prendem a lugar nenhum, que entram no ônibus azul mesmo quando ele não vem, a vocês moleques de rua, sem sapatos e que não podem ver a luz

A vocês peço que peçam piedade e que o Senhor dê aos covardes um pouco da nossa inabalável coragem e que não haja descanso àqueles que nos roubam os dias de amanhã... 

Que o Senhor possa nos dar a poesia de cada dia

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Livro

Eu nasci no tempo do nada

Mas não antes da palavra dita

Nem mesmo antes do silêncio do tempo

Minhas ainda quase-letras já foram pintadas nas cavernas, riscadas nos papiros,

Desenhadas nos pergaminhos, entalhadas nos códices, esculpidas no mármore, impressas no papel, e finalmente digitalizadas nas telas virtuais e enviadas ao espaço infinito, Jai guru de va om...

Já seduzi escribas, inebriei monges copistas,

Orientei navegantes nos mares noturnos em busca de terras novas,

Suguei o ar dos pulmões de jovens poetas tuberculosos

Levei o homem à lua

E tirei o sono de muito estudante do Enem.

Já tentaram me sufocar com os “Index Librorum Prohibitorum”, com as fogueiras nazistas, e com os aumentos de taxações. Mas eu sobrevivi a todos os ataques...

Meu corpo é formado de orelhas, prefácios, notas de rodapé, folhas, bibliografias e capas

Podes me chamar de pequenino, de pocket book. Podes me chamar de grande, de enciclopédia

Mas minhas páginas já mudaram o mundo, não o mundo mesmo, mas mudei o homem

Te mandei pensar, te dei asas pra voar, te mostrei outras cidades, outros mundos, dei olhos pra ver além das nuvens.

Eu sou a ilha de Crusoé no meio do oceano

Sou o arpão contra a Moby Dick de Melville

A rosa do príncipe de Exupéry

O moinho de Cervantes

A montanha mágica de Mann

O inferno de Dante

O veneno de Romeu, o punhal de Julieta

A jornada de Odisseu pra rever Penélope

Os cantos nas navegações de Camões

A cegueira de Saramago

A estrela de Clarice

Os cem anos de solidão de Gabriel

A teoria de Einstein

As invenções de Verne

A espada dos mosqueteiros de Dumas

A monstruosidade do mostro de Mary Shelley

O buraco do coelho de Carrol

O mapa da Terra média de Tolkien

 

Nas minhas páginas as palavras podem ser o que quiserem

E a palavra livro pode ser livre...

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Contradizendo João 8:32

O que diferencia o prato da vasilha, da louça?

A comida da iguaria, o alimento da refeição?

A sandália do calçamento, o sapato do pé de moleque?

O que diferencia a mentira da verdade?

 

As vicissitudes das estações do ano em seu caminho senoidal

Lembram-me os versos de “Violões que choram de Cruz e Souza”

Parecem apenas repetições, e o são, mas o são sempre de uma forma ou de outra, diferentes... Como a vida deve ser, mas a afasia entronada dos dias de hoje nos limita naquela virtual tela escura, emudecendo nosso falar

 

Trocamos o dia pela noite, vemos mais na escuridão do espaço do que no centro ofuscante de uma estrela

Mas há os que ficam perdidos entre os que veem e os que sentem

Ficam presos na cela de ossos, mesmo com a chave em carne viva pendurada na porta

São como os revolucionários que mudam só o que querem mudar e não o que devem mudar, se acham Jesus Cristo, mas são Che Guevaras sem moto.

Que não ouvem o disco e sim a playlist

Que se trancam no quarto sem saber que existem as ruas e praças

Que engolem o nó na garganta

Que sentem a saudade daquilo que nunca viveu

Que sentem um gosto amargo na boca ao pedirem desculpas

Que querem uma novidade que não nasceu das coisas velhas mortas

E que vivem num mundo só deles

Nesse mundo como se fosse num espelho as mentiras tomaram o lugar das verdades

As mentiras que se tornaram verdades são o doce que te oferecem sem que possas provar

A roupa que não podes vestir, a maçã no meio do jardim a qual não podes morder

A anestesia da dor que não se pode suportar

As barras das grades de tua prisão invisível

 

Mas há quem o diga que as verdades nem sempre são pra todos os ouvidos

Há aquelas que nunca serão ditas e há aquelas que nem murmuradas ao pé do ouvido o serão

 As mentiras quando manejadas pelos mentirosos se travestem de verdades por se encerrarem exatamente nelas

E é por isso que nem sempre, ao conheceres essas verdades falsas, estarás realmente LIVRE...

Para ser realmente LIVRE deves perder o sono e despertar...

Parar de culpar e de se desculpar

Querer ser livre e querer que os outros também sejam livres, tal qual desejas pra ti

Seja você mesmo e não o que os alheios querem ver

Lute contra o inimigo e não ao lado dele

Leia livros, mas leia além das letras aprisionadas nas folhas de papel,

Leia olhos, leia ruas, sarjetas, muros, sons de passarinhos nos bosques, leia o silêncio do dia nascendo...

Seja um aguerrido pacificador, mas não fujas a luta

Não temas a escuridão, principalmente a que advém do coração

Diga sim, mas saiba também dizer não...

sábado, 30 de janeiro de 2021

Resposta

É possível andar em linha reta nesse labirinto de dias em que acaso e sorte rolam dados viciados no tabuleiro do caminho? Você acreditaria que é possível se perder e mesmo assim acabar se encontrando nessa estrada?

E se você pudesse acordar e ao abrir a porta do quarto

Dar de cara com o sol iluminando os dias que virão

Você esperaria anoitecer?

Manterias o bom senso, caso atacado pela culpa de não acreditar, de não crer que somente a loucura pode nos travestir de sãos? 

Por acaso, se a mentira se revelar uma impostora e serdes realmente apenas um grão de areia comum, continuarias te comparando aos Deuses?

Se você tivesse a certeza de que não mentir

Não te torna melhor que o mentiroso

Continuarias te esquivando da pura verdade na qual somos todos uns pretenciosos? 

Se você se olhasse no espelho e visse outra pessoa

Que corresse da dor, que fugisse do amor

Lavarias este rosto com a água corrente da torneira da pia?

E se na escuridão da noite adentro

O sofrimento deixasse armadlhas pelo caminho

Te enebriando com meias verdades que um dia até já dissestes

Mesmo assim, darias o primeiro passo nessa estrada?

Se o sono te escondesse o casanço e apagasse, pelo menos no tempo dormido, as agruras diárias que estilhaçam as nossas vidas

Juntarias os caquinhos e deitarias nesta cama?

Erguerias os punhos contra o racismo estrutural

Mesmo sem acreditar que em toda Construção desse país teve uma mão preta?

Acreditas que existe um Brasil para os brancos e outro pros pretos?

Já te disseram que toda música que realmente importa nesse país tem sua raiz no samba?

Calarias a voz ante a desigualdade excludente das ruas do centro da cidade, dos malabarismos dos sinais de trânsito, dos pavilhões das prisões lotadas, dos assassinatos em supermercados, das arquibancadas dos estádios, dos 80 tiros de fuzil do exército e das salas de jantar onde somente se ocupam em matar sede e fome?

Se te contarem que vida e morte, que infinito e teu quarto vazio, que chão e céu, são faces da mesma moeda continuarias num caminho que te levaria ao nada?

Serias capaz de viver muitos anos só por viver

Mesmo após apagadas as luzes do amor, insistirias em não ficar sozinho cultivando aparências como ervas daninha?

Quão difícil é se por no lugar do outro?

Ainda será por quantos anos a fio a falta de amor ao próximo o seu próximo passo?

Mas se um daqueles enterrados em covas coletivas, sem direito a velório e despedida,

Sem poderem respirar,  fosse um dos seus e tivesse pra você um nome na um número. Continuarias lotando os bares e praias

Serias as velas de cada um desses velórios?

Se o vírus caísse na chuva, fecharias o guarda chuva e te molharias sem medo?

Plantarias uma árvore que desse sombra somente pros teus netos?

Serias capaz de perdoar os que te ofenderam?
Oferecerias a outra face?

Serias um dos bem-aventurados do Sermão da Montanha?

O pobre? O que chora?O manso?O que tem sede de justiça?

O misericordioso?O puro de coração?Ou o peseguido?

Serias o sal da terra e a luz do mundo?

Por quanto tempo ficarás com essas respostas engasgadas na garganta?

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Para Mandy

Quando o vento sussurrava os primeiros pingos da chuva que ia cair

Você sempre procurava um cantinho perto de nós

Um cantinho seguro...


Em seus ombrinhos você carregava o peso de todo o amor do mundo


O amor que realmente interessa: o amor puro


O amor que não exige condições para existir


Amor que não cobra o amado


Amor que perdoa até mesmo aquela pisadinha sem querer.


O meu melhor amigo, o meu cachorro.


Eu ainda ouço seu latido em meus sonhos 


Sonhos num campo verdejante


Onde você corre feliz como um passarinho solto no azul do céu


É uma lembrança apagada de como era o antigo Jardim do Éden


A maciez de suas patinhas sempre preencheu o vazio dos dias rotos


Teus olhinhos enxergavam não a face carregada que trazíamos do dia a dia


Mas sim aquela que guardamos mais fundo no peito


Teus sorrisos não despertavam com presentes caros, ou jóias e relógios de ouro

 

Para você bastava um simples carinho 


Eu sei que as tuas não palavras diziam o indizível 


Sem nos cobrares nada nos fizestes ricos de uma riqueza invisível


E mais uma vez só tínhamos que te pagar com um simples carinho


Eu queria que existisse um mundo diferente pros cachorros


Um mundo sem dor, sem doença, sem fome, sem abandono


Pois não há quem mais mereça esse mundo do que um cachorro.

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Hipérbole

Mal conseguimos nos comover
Morreram mais pessoas que se pode contar estrelas numa noite de verão 
Isso foi ontem, mas parece que fazem milênios 
Os olhos endureceram feito rocha e sedimentaram todos os rios, as lágrimas todas secaram como o deserto
Cai por dia uma frota de aviões de carreira espatifados no chão sem nehum sobrevivente, mas se quer temos uma folha de papel pra escrever uma frase de condolência, se quer uma linha de tristeza nas tls
Endurecemos feito ferro
São um exército de bocas famintas sem um pedaço de pão e o “auxílio” leva mais que uma quarentena pra sair dos computadores bancários. O dinheiro não existe.
São os invisíveis agora visíveis 
Para eles
O ônibus vem eternamente lotado
As feiras tem mais gente que bananas na ilha do bananal
As ambulâncias levam uma vida e meia pra chegar
E quando chegam não têm pra onde te levar
As filas são maiores que Rio Amazonas
Intermináveis 
Mas que, por isso, abreviam seus dias, como ampulhetas já sem areia 
O ar some dos pulmões como somem árvores na floresta 
O que foi perdido nesses dias dá pra encher todos os navios piratas que atravessaram o atlântico nas circunavegações 
Os pai nossos e as ave marias tentam salvar mais que as cartelas de azitromicina e hidroxicloroquina
Não há álcool em gel no mundo que limpe as mãos de quem, que por vaidade e ignorância do tamanho da bandeira que fica hasteada na praça dos três poderes, desdenha das mortes diárias nas filas de UTI, nas casas sem atendimento médico, nas UPAS sem médicos brasileiros ou cubanos, nas ruas sem alimento, sem água e sabão....

Quisera agora ter um milhão de amigos e poder cantar, cantar uma canção que dure uma dia, um mês, um ano, uma vida inteira, pois não houve tempo, que como agora, pudéssemos fechar a porta, e abrir mil janelas; não sair de casa e correr o mundo; cuidar da própria saúde e salvar os enfermos de cada hospital; não usar o carro e ter todo o combustível do oriente médio pra ajudar quem precisa; não abraçar um amigo e sentir a felicidade de ver os rostos em todas as telas de celulares já produzidos na China; não poder tomar uma cerveja num bar e mesmo assim beber de todo o vinho da saudade;
Não ter um centavo no bolso e mesmo assim poder comprar todos os nosso dias vindouros;
Não poder dizer à sua mamãe, ao seu pai, o quanto os ama e poder dizer à sua mãe e ao seu pai o quanto os ama.
Quisera eu poder olhar no rosto de cada um de vocês e dizer: em apenas uma palavra as milhares de frases que o olhar para o futuro nos reserva 
Mas isso seria um exagero.

Cabanos

  Mais perto de Lisboa do que do Rio de Janeiro   Foi depois do Imperador, embaixo de uma noite de garrafadas, Ser obrigado a abdicar ...